[Recuperação de um arquivo desaparecido, com a publicação de artigos que, ao longo do tempo, foi escrevendo para o Expresso. Este foi escrito em abril de 2019.]
Tiger Woods ainda tinha algo a dizer antes que nos esquecêssemos todos dele. Porque existem homens cuja missão é comprovar que a grandeza se constrói através de uma sucessão de episódios que envolvem drama e sofrimento, entre os momentos de extrema felicidade. O menino prodígio tornou-se no melhor golfista de todos os tempos, caiu em desgraça, foi declarado acabado por uma sucessão de operações às costas e, vinte e dois anos depois de ter vencido o seu primeiro Masters, repetiu o feito este fim-de-semana.
Tal pai, tal filho
Tiger Woods avança, de costas curvadas, em direção ao seu filho, abraçando-o no momento do festejo do seu quinto Masters. Uma imagem que se cruza com uma outra, com mais de duas décadas, onde um bem mais jovem Tiger é envolvido pelos braços do seu pai, Earl Woods, um antigo militar que o tinha iniciado na modalidade desde muito jovem. Tiger Woods é conhecido como um prodígio do golfe deste os três anos de idade, o que lhe valeu aparições na televisão nacional e nas capas de revista.
Mas este domingo, 14 de abril de 2019, tudo isso valia nada. O golfista de ascendência tailandesa competia contra si próprio. Contra as limitações que todos viram nele quando, no meio de uma separação conjugal conturbada, interrompeu a sua carreira, contra as quatro operações às costas a que foi sujeito, limitando a sua capacidade para jogar ao ponto de poucos darem crédito às possibilidades de ser, sequer, uma sombra do que tinha sido. Tudo isso valia nada. A sua filha, Sam, de 11 anos, e o seu filho, Charlie, de 10 anos, nunca tinham visto o pai ganhar um Masters. Podemos ser grandes de muitas maneiras. Mas só somos verdadeiramente imortais quando conquistámos algo para aqueles que mais amamos.
O caminho para a vitória é o que torna a vitória especial
A improvável conquista de Tiger Woods completou-se através de uma caminhada, ela própria, heróica e inesperada. Até ao final da terceira ronda, era o italiano Francesco Molinari, campeão do The Open Championship de 2018, quem levava vantagem, ameaçando fazer história como o primeiro italiano a conquistar o Masters. Na ronda final, outros golfistas, mais jovens e com títulos recentes, pareciam tomar a dianteira. Brooks Koepka, vencedor do US Open nos últimos dois anos começava melhor. Xander Schauffele, de apenas vinte e cinco anos, seguia empatado com Tiger Woods a quatro buracos do final, com Dustin Johnson a aproximar-se dos números dos líderes.
É no décimo quinto buraco da ronda final que Tiger Woods conquista a dianteira. Não era apenas um golfista que estava perante os nossos olhos. Nem sequer era o golfista invencível que conhecemos no passado. Era alguém que não ganhava uma prova há onze anos. Não era o favorito, nem era, sequer, um candidato. Era um homem que tinha passado e sobrevivido por todas as curvas da vida, por mais apertadas que elas tivessem sido. Era um lutador. Um apaixonado. Um livro de história daquilo que um corpo pode sofrer por ser um prodígio do desporto. Morto, renascido, reencontrado. Onde antes havia admiração, agora nascia compaixão. E Tiger voltava a festejar a vitória de um Masters com todos os olhares do mundo colocados nele.
O bom mau exemplo
O ter sido um mau exemplo faz dele um bom exemplo, como cantou Samuel Úria. O nome de Tiger Woods arrastou-se debaixo dos holofotes por todas as razões erradas, depois de ter conquistado tudo o que havia para conquistar no mundo do golfe. A destruição da relação familiar, a dependência de analgésicos, o consumo de álcool. Tudo isso levava a que o mundo se esquecesse do golfista que agora reaparecia como um veterano em busca de um último gole do cálice da glória.
A vitória deste fim-de-semana não é, no entanto, uma redenção. Nem sequer uma segunda oportunidade. É a senha de como a vida se faz, realmente, de altos e baixos. Como disse Tiger Woods, esta vitória é um sinal de esperança para todos aqueles que vivem momentos maus. Um sinal de que as coisas podem voltar a ser melhores. Sem que nos transformemos noutro. Sendo nós mesmos. O pequeno Tiger que sonhava bater todos os recordes do mundo é o mesmo Tiger que venceu, este domingo, o Masters, correndo a abraçar o seu filho. E essa é a verdadeira grandeza deste momento. Para sempre.