Um português na NBA: Falta um bocadinho assim [Artigos do Expresso]

[Recuperação de um arquivo desaparecido, com a publicação de artigos que, ao longo do tempo, foi escrevendo para o Expresso. Este foi escrito em abril de 2019.]

É a história que poucos acreditavam que pudesse acontecer. Neemias Queta poderá ser o primeiro português na NBA. Entre atletas masculinos e femininos, são dezassete os que perseguem o sonho nas universidades dos Estados Unidos. O basquetebol português já dá cartas na América.

Portugal deu ao mundo uma das melhores jogadoras de sempre, Ticha Penicheiro, mas nunca conseguiu levar um jogador até à NBA, a mais global das competições de basquetebol. Betinho Gomes esteve às suas portas e Neemias Queta é visto como um grande candidato a consegui-lo. A porta abre-se através dos campeonatos universitários dos Estados Unidos da América, a NCAA, onde três rapazes e dez raparigas portugueses atuaram, este ano, em equipas da primeira divisão.

É um desejo comum à maioria dos jovens de todo o mundo que começam a jogar basquetebol. Jogar na NBA. O campeonato norte-americano reúne as principais estrelas da modalidade e disputa-se à escala global, sendo mais visto do que as competições locais na maioria dos países do mundo. É um campeonato que tanto atrai a atenção dos apaixonados pelo basquetebol, como daqueles que dizem preferir a NBA ao basquetebol. O espetáculo é um dado que contribui fortemente para esta paixão.

Nunca nenhum jogador português alcançou esse sonho. Mas durante esta temporada, um nome começou a ser falado para o Draft, o momento em que as equipas profissionais escolhem os atletas que vão ter a possibilidade de assinar um contrato. Neemias Queta joga e estuda na Universidade de Utah State e destaca-se pelo seu impacto físico, com 2m11 e 109 kg. Nasceu no Barreiro e foi no Barreirense que fez toda a sua formação, tendo ainda passado uma temporada pelo Benfica, onde jogou maioritariamente na equipa B e acabou a época a ser o jogador com melhor média de desarme de lançamentos e um dos melhores ressaltadores da Proliga, a segunda liga portuguesa. São essas as características que o levam, aos 19 anos, a estar entre os eventuais escolhidos para entrar na NBA.

Para o selecionador nacional e Diretor Técnico Nacional, Mário Gomes, que esteve recentemente em Utah State, “o Neemias está onde está por mérito dele e pelo trabalho que fez nos clubes”. Conheceu-o nas Festas do Basquetebol, em Albufeira, onde ano após ano as diferentes seleções de cada distrito apresentam os seus jogadores potenciais selecionáveis para as equipas nacionais. “Ainda como Sub-14 colocou-se a hipótese de entrar para o Centro de Treino, mas chegou-se à conclusão que seria prematuro. Como no ano seguinte o Centro foi suspenso, perdeu-se essa oportunidade”. A mesma foi, no entanto, aproveitada por Diogo Brito e Francisco Amiel, que estiveram nos Centros de Treino do Jamor e de São João da Madeira em tenra idade, beneficiando, ainda muito jovens, dessa experiência de treino que lhes permitiu uma evolução enquadrada entre clubes e federação. São eles que formam o trio de jogadores portugueses que atingiram as fases nacionais do campeonato da NCAA.

Durante a viagem aos Estados Unidos, o selecionador nacional teve oportunidade para conhecer as instalações da Universidade, conversar com os jogadores e com os treinadores e não tem dúvidas. “Está num bom sítio para evoluir, com um treinador que o pode ajudar, onde tem a confiança de todos e também confia no trabalho que fazem com ele”. Para quem o conhecia em Portugal, vê-lo jogar recentemente foi um choque. João “Betinho” Gomes, internacional português, “nem queria acreditar quando o vi jogar na Universidade, é outro jogador, mudou muito o basquetebol dele, a forma de jogar, a coordenação dele”.

Os dados estão lançados e o entusiasmo em redor do seu nome só aumentou quando, no final de março, o jornalista Jeremy Woo, da Sports Illustrated, o colocou como hipótese para ser escolhido já na primeira ronda. Para este especialista, as exibições realizadas na conquista do título de Moutain West, prova que garantiu a entrada de Utah State nos nacionais, justificam esta possibilidade, “apesar de alguma inexperiência”. Mas a sua “coordenação e capacidade defensiva, conjugadas com a antecipação do seu potencial, podem fazer de 2019 o ano certo para arriscar a entrada na NBA”. Esta é uma opção que tem que partir do jogador, aceitar fazer parte dos nomes que podem ser escolhidos no Draft. Neemias Queta terá ainda tempo para justificar a sua opção. Se Mário Gomes e Ticha Penicheiro defendem que, um ano mais na Universidade (Queta cumpriu apenas o primeiro de quatro anos possíveis) lhe permitirão alguma evolução, quer física, como técnico-tática, o potencial por provar é outro dos elementos que acabam por ser fundamentais no acesso à NBA. Entrar no comboio na hora certa pode fazer toda a diferença.

Uma casa portuguesa na América

Os campeonatos universitários de basquetebol nos Estados Unidos conjugam equipas de escolas de todo o país, mantendo em competição 353 conjuntos masculinos e 351 conjuntos femininos na primeira divisão durante a presente temporada. Entre estes, em sucessivas fases, vão-se encontrando as quatro melhores equipas que, este fim-de-semana, irão disputar as finais, os homens em Minneapolis, Minnesota e as mulheres em Tampa, Florida.

Treze atletas portuguesas dividiram-se por escolas da primeira divisão. Os três masculinos, Neemias Queta e Diogo Brito, representando Utah State, e Francisco Amiel, representando a Universidade de Colgate, chegaram à fase nacional. Se juntarmos as atletas que estão na segunda divisão do basquetebol norte-americano e em universidades canadianas, são dezassete atletas ao todo. Para Mário Gomes, Diretor Técnico Nacional da Federação Portuguesa de Basquetebol e selecionador da equipa masculina, vivem-se realidades muito diferenciadas, dado que os atletas emigram de forma “não orientada, ao contrário do que se passa noutros países”.

O caminho para lá chegar acaba, no entanto, por ser comum. São atletas que representaram Portugal em diversos campeonatos europeus, que se disputam a partir do escalão de Sub-16, e depois em Sub-18 e Sub-20, e se realizam todos os verões. Aí, são observados ora por olheiros de empresas que fazem a ligação com diferentes Universidades do outro lado do Atlântico, ora pelos próprios treinadores destas Universidades que se deslocam periodicamente à Europa para momentos de observação. Os melhores atletas são cortejados, as suas famílias contactadas, fazem-se visitas a Portugal para manter contacto pessoal e observar jogos e treinos. Oferece-se a possibilidade de trabalhar numa estrutura profissional, com condições inimagináveis para o contexto português, desde a disponibilidade dos pavilhões até ao número de treinadores e acompanhamento especializado. Em troca, estes atletas vão ser estudantes universitários com direito a bolsa de estudos, para além de alojamento garantido.

Mário Gomes vê como inevitável a saída de atletas portugueses para esta realidade. Sobretudo porque, em Portugal, a realidade é quase a oposta. Para os atletas masculinos, a realidade profissional é difícil, mas, ainda assim, “vão-se abrindo algumas oportunidades para os melhores, mesmo não fazendo uma vida exclusiva no basquetebol, com oportunidade para ter uma carreira”. No feminino, essa realidade é impossível. Daí que, perante a possibilidade de continuar carreira desportiva e conjugar uma carreira académica nos Estados Unidos, a opção seja natural.

“Falta um enquadramento para a saída destes jogadores e jogadoras, uma forma de coordenar os programas que têm lá, com os programas das seleções”, defende o Diretor Técnico Nacional, ainda que sublinhando que vê essa realidade como difícil de alcançar. “É uma questão cultural, o individualismo português sente-se colocado em causa perante uma possível intervenção da Federação”. Também por isso os resultados acabam por ser diferenciados. Enquanto Francisco Amiel fechou a sua passagem pela Universidade com sinais de ser “um jogador mais forte, outros casos recentes há que acabaram por ser atribulados, como o do Cândido Sá, ou que acabaram com um historial de lesões, no caso do Daniel Relvão, que estamos a monitorizar para ver como vai evoluir”.

No final da caminhada, os destinos dividem-se. A percentagem de atletas que entram pela porta dos campeonatos profissionais nos Estados Unidos, a mais desejada, é mínima. É uma pequena minoria de eleitos que consegue fazer essa transposição. Para os restantes, a procura de uma carreira profissional na Europa é uma opção. Mas a grande maioria dos atletas que passam pelos campeonatos universitários nunca serão profissionais de basquetebol. Licenciados, acabam por fazer as suas carreiras, muitas das vezes, já afastados da modalidade. Entre as várias atletas portuguesas que estão a terminar a carreira universitária nos Estados Unidos, o caso de Chelsea Guimarães, internacional em todos os escalões de formação, é apontado como exemplo, com a jogadora que representou a universidade de Florida International a colocar o lado académico como prioritário.

Uma viagem chamada sorte

Ticha Penicheiro é considerada uma das melhores jogadoras de basquetebol de sempre, com uma longa carreira dividida entre a WNBA, competição feminina da NBA, e equipas de topo na Europa. Este ano vai ser consagrada com o reconhecimento mais alto que alguém ligado à modalidade pode ter, com a entrada no Women’s Hall of Fame. Mas não exclui o fator sorte da caminhada que a levou até aos campeonatos universitários dos Estados Unidos.

“Sempre quis ir para a América, o meu irmão tinha esse sonho e não o conseguiu cumprir, acabou por passá-lo para mim e desde muito nova que tinha esse objetivo”. O momento de sorte aconteceu quando, no início da década de 90, integrou um programa da Federação Portuguesa de Basquetebol, que formou uma equipa com jovens atletas, sediada em Rio Maior, para treinar e competir na 1ª Divisão Nacional. “Num jogo frente à ES Amadora, a americana delas veio-me falar no fim, a perguntar-me se eu não gostaria de jogar nos Estados Unidos e acabou por ficar com o número de telefone de casa dos meus pais”. Era Allisson Greene, que dois anos mais tarde passou a fazer parte da equipa técnica da Universidade de Old Dominion.

Estamos a falar de 1994, quando não havia internet e o recrutamento de jogadores fora dos Estados Unidos era bastante complicado. O contacto com Allison Greene acabou por abrir as portas para uma das universidades de maior impacto no basquetebol feminino. Para Ticha, “era muito difícil ter acesso a informação. Tive a possibilidade de visitar a Universidade de Old Dominion, numa altura em que outras universidades já demonstravam interesse, mas fiquei encantada com a visita. Eu sou da Figueira da Foz, eles levaram-me à praia, em Virginia Beach, e a comer marisco, e eu quis logo assinar. Podia ter calhado ser uma equipa da 3ª Divisão!”

Mas não foi. Para além de Ticha Penicheiro, entre 1994 e 1998, também se lhe juntaram Mary Andrade e Clarisse Machanguana, internacional moçambicana que tinha passado por Portugal, formando “The Portuguese Connection”, que permitiu a Old Dominion estar repetidamente entre as 25 melhores equipas femininas e atingir a Final Four. Ao sucesso desportivo juntou, também, o grau académico, onde percebeu que “o grau de exigência não era tão elevado como em Portugal, porque tínhamos muita ajuda, com tutores e, sobretudo, com a organização dos horários para treinar e estudar, o que acabava por facilitar.” Onde notou a diferença, sim, foi nos treinos, já que saiu de Portugal habituada a treinos de hora e meia e, quando chegou a Old Dominion, nos primeiros treinos físicos de três horas cada, só pensava “em quando é que aquilo ia acabar”.

João “Betinho Gomes foi, entre os atletas masculinos, aquele que mais perto esteve de entrar na NBA, ao passar por testes em equipas desta competição e ao colocar-se entre os potenciais escolhidos para o Draft de 2007. O próprio reconhece que, “na altura, não estava preparado. Tinha feito uma época incrível no Barreirense, mas a diferença de intensidade entre o basquetebol português e o americano era enorme. Em Portugal, havia poucos jogadores com a capacidade atlética que eu tinha. Na América, a concorrência era outra”. Para além do mais, a sucessão de treinos e viagens no período de testes acabou por pesar na sua exclusão do grupo escolhido.

A história tinha começado uns anos antes. Depois de cinco anos a jogar em Cabo Verde, recebeu um convite para vir para Portugal, representar o Barreirense. “Tive muita sorte em ir para o Barreiro, a equipa era uma família, nunca me senti sozinho, tinha muito apoio dos pais dos outros jogadores da equipa”. Aos 17 anos, começou um percurso que o levou a “ter oportunidade de jogar muitos minutos, em juniores e seniores, por estar numa equipa pequena, o que me permitiu evoluir como evoluí”. Participou durante três anos nos campos da Reebok em Treviso, onde no início do Século XXI se abria a oportunidade para jovens jogadores europeus mostrarem os seus talentos para os olheiros da NBA e, perdida a corrida para entrar nessa prova, continuou a sua carreira profissional entre Portugal, Espanha e Itália.

O Barreirense, diz-nos o Diretor Técnico Nacional, “é reconhecidamente uma das boas escolas de jogadores em Portugal, identificar e recrutar jogadores e proporcionar-lhes oportunidades para evoluir é um grande mérito deste clube”. No que toca aos atletas masculinos, acaba por ser o ponto em comum no percurso de Neemias Queta e João “Betinho” Gomes, os dois jogadores que mais perto chegaram do sonho de jogar na NBA.

Um mundo de mulheres

É no basquetebol feminino que Portugal mais tem dado cartas nos anos recentes. Para além do exemplo de Ticha Penicheiro, o crescimento das seleções portuguesas nos escalões de formação, com presença na divisão principal dos campeonatos europeus, foi permitindo a entrada no radar de várias jogadoras portuguesas entre as escolhas das Universidades americanas. Ticha trabalha no aconselhamento a jovens no percurso de acesso à universidade e vê como um desafio a entrada num mundo tão diferente, de tantas oportunidades. “Para quem quer ser a melhor, tem de estar entre as melhores, foi o que eu fiz e o que ajudo outros a fazer hoje em dia”.

Das atletas que estiveram em competição esta temporada, Laura Ferreira é destacada como aquela que teria maior potencial para conseguir chegar à WNBA, ainda que o seu percurso recente, marcado por lesões, a deixe sob incógnita. Para Ticha Penicheiro, “é uma jogadora muito versátil”, enquanto Mário Gomes a vê “como uma jogadora feita, de nível alto”. A sua colega em South Florida, Beatriz Jordão, só agora chegou ao campeonato universitário e, apesar de algumas lesões, é também vista como uma atleta com potencial físico para chegar a um nível alto. Uma vez mais, a questão sorte volta a soar nas palavras de Ticha Penicheiro. Evitar as lesões acaba por ser decisivo na forma como se acede às equipas profissionais.

Entre as jogadoras que atuam na primeira divisão do basquetebol universitário, pode-se fazer um mapa do recente sucesso das seleções portugueas femininas. Ana Ramos (San Diego), Luana Serranho (Campbell), Joana Alves (Seattle), Maria Carvalho (Utah Valley), Marta Vargas (Rhode Island) e Tess Santos (Presbyterian College) terão oportunidade de continuar a desenvolver as suas carreiras na competição universitária. Carolina Bernardeco atingiu o seu último ano na Queens University, da segunda divisão, onde se manterá Marta Rodrigues, na Tusculum University. Ainda no nível universitário, mas no Canadá, jogam Ana Sofia Rua, na Brock University, e Carolina Gonçalves, na University of Regina.

Maria Kostourkova fechou este ano a sua passagem pelos Estados Unidos, na universidade de Washington State. Uma jogadora de perfil pouco habitual em Portugal, filha de dois antigos jogadores e atuais treinadores búlgaros, Maria foi sempre uma jogadora em enorme destaque nas seleções jovens nacionais. Para Mario Gomes, durante estes quatro anos, “teve uma evolução normal, talvez aquém do que se esperava, mas tem todas as condições para ser uma jogadora mais forte”. Sendo perfil físico que tem ajudado mais portuguesas a conseguir ter espaço nas equipas norte-americanas, Ticha Penicheiro sublinha ainda a capacidade competitiva das jogadoras nacionais, com “garra e vontade de vencer”, como outros pontos apreciados pelos treinadores americanos. Os diferentes casos de sucesso mantém as portas bem abertas para as atletas lusas continuarem a encontrar do outro lado do Atlântico as oportunidades que não existem em Portugal, com Ticha a sublinhar que, hoje em dia, “com a internet, é muito mais fácil manter o contacto com a família e amigos, já não se sente o mesmo isolamento”.

A América acaba por ser, assim, uma terra de oportunidades e sonhos para os jovens basquetebolistas nacionais. A perseguir a vontade de terem uma carreira numa modalidade pouco apoiada na país, a mostrarem, em planos de grande exigência competitiva, que há talento por polir numa nação habituada a sentir-se “baixinha” para este tipo de voos. Haverá, mais tarde ou mais cedo, um português na NBA, e Neemias Queta parece destinado a, este verão ou no próximo, a ser o primeiro. Também é de esperar voltar a ver uma jogadora portuguesa na WNBA, onde o nome de Ticha Penicheiro continua a ser obrigatório quando se enumeram as melhores de sempre. Falta um bocadinho assim, um quase nada, para que o sonho aconteça. E enquanto cada vez mais jovens têm a oportunidade de viver esse sonho na proximidade que significa representar uma Universidade, jogar na pátria do basquetebol, todos nós, os que sonhámos lá chegar e nunca, nem por sombras, nos aproximámos, cá estaremos, acordados, em longas madrugadas, a viver o sonho pela televisão.

Comentários

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.