[Artigos do Expresso] Um de mão na Taça, outro o diabo na cruz

[Recuperação de um arquivo desaparecido, com a publicação de artigos que, ao longo do tempo, foi escrevendo para o Expresso. Este foi escrito em maio de 2019.]

Na maior parte das vezes, a final da Taça de Portugal é muito mais do que uma final de uma competição. Agendada para encerrar a temporada, no relvado do Jamor encontram-se linhas que, ora apontam para a morte, ora encontram neste jogo a força necessária para um regresso à vida. Sérgio Conceição fecha o ano depois de uma desilusão no campeonato, onde se viu ultrapassado pelo Benfica, enquanto Marcel Keizer se mantém numa longa carta de apresentação que não desvenda a nebulosa sobre as suas qualidades.

Na mesma semana em que os Diabo na Cruz apresentaram a notícia do seu fim, ligamos o gira-discos à procura de inspiração musical para lançar uma partida que aponta, como atrativos, bem mais do que a vida dos seus treinadores. Será o jogo de despedida para jogadores de ambos os lados, homens que viveram longas histórias para ambicionar, neste capítulo final, sair com a Taça na mão. É que, apesar de todas as razões e desrazões que coração e mito apontam, o que todos querem, no Jamor, é ganhar a Taça de Portugal.

“É culpa quando falho, culpa se consigo”

Sérgio Conceição foi contratado para recuperar um FC Porto que vivia um dos períodos mais negros da sua história recente e contra todos os vaticínios tornou a equipa azul e branca campeã na época passada. A conquista do título e o discurso identitário do seu técnico acordaram um gigante adormecido e complicaram uma segunda temporada onde a evolução era inegociável. No que toca a estilo de jogo, Sérgio Conceição deparou-se com as limitações que o seu plantel apresentava na passagem de estatuto de um perseguidor do campeão para a de defensor do título. Baseando as suas forças nas peças que lhe haviam garantido o sucesso na época passada, faltou a este FC Porto um rasgo criativo do qual já se sentia falta mesmo nos dias bons.

A chegada de Éder Militão ajudou o conjunto portista a solidificar defensivamente a equipa, mas a lesão de Aboubakar retirou o tapete a nível ofensivo onde a falta de criatividade coletiva (apesar de haver Corona, Brahimi e Óliver, a espaços) quase sempre foi resolvida com a capacidade física de Marega. Mas, sem opções nas laterais (ninguém à direita com estatuto de titular e Alex Telles para todas as ocasiões à esquerda) e com eterna desconfiança a entregar o jogo a alguém que pense com a bola nos pés, a equipa desmoronou num momento decisivo da temporada, cedendo sete pontos para um Benfica em ascensão. Ainda assim, o FC Porto conseguiu melhor na Taça da Liga, onde foi finalista, e na Liga dos Campeões, atingindo os quartos-de-final. Vencer a Taça de Portugal, algo que o FC Porto não consegue desde 2011, será a melhor forma de Sérgio Conceição demonstrar que, apesar de todas as frustrações, é um homem que só sabe ser forte.

“Defendi-me o melhor que pude”

Quem és tu, romeiro, pergunta-se a Marcel Keizer, e o técnico holandês vai adiando resposta com o passar do tempo. Seguramente não é o revolucionário que parecia ser quando, chegado a Lisboa, transformou quase instantaneamente o futebol do Sporting para uma equipa em busca de uma posse de bola inegociável perante qualquer adversidade. Mas, é certo, também não é a face frágil que numa sucessão de derrotas perante o Benfica, na Liga e na Taça, e no insucesso europeu com o Villarreal, parecia não assumir uma identidade para o jogo da sua equipa. O Sporting desta temporada foi sempre uma equipa marcada pelas fragilidades do verão passado e a conquista de uma Taça da Liga, tal como a chegada à final da Taça de Portugal, acaba por soar a bálsamo para uma nuvem que parecia envolver o clube. E se Marcel Keizer teve em Bruno Fernandes um fiel escudeiro para qualquer ocasião, o certo é que soube ir demarcando o seu caminho através dos resultados.

Os verde e brancos são, assim, uma equipa que se assegura na experiência dos jogadores que têm em campo. Mathieu como verdadeiro general defensivo. Gudelj como intérprete educado da ideia de jogo que Keizer melhor conhece. Bruno Fernandes como o rasgo criativo e salvador. Se uma coisa o técnico holandês soube criar foi constância, um cinto de segurança ao qual a equipa se pôde agarrar em momentos de perigo. A marca de uma consciência de que o resultado, na grande maioria dos casos, é o que define o chão seguro que o passo seguinte irá encontrar. Também por isso o Jamor se define como um momento importante para Keizer. Ao definir o seu caráter vencedor e ao abrir a forma como se começará a definir o plantel do Sporting para a próxima temporada. Marcel Keizer, ainda que lentamente, tem mostrado saber como virar o bico ao prego.

“Ir abastecer-me onde há quem dance”

Pela relva do Jamor poderá passar o último encontro de vários jogadores que marcaram tempo na Liga portuguesa. Héctor Herrera e Yacine Brahimi deixarão saudades entre os adeptos do FC Porto, peças-fortes que foram dos anos de Sérgio Conceição. A criatividade do argelino sempre deixou em alvoroço quem tinha por missão detê-lo, mas é na força do mexicano que a diferença se estabeleceu entre quem entende que a liderança é essencial para a conquista de campeonatos. Alex Telles e Felipe, tal como Éder Militão (uma espécie de passagem de foguete por Portugal de um dos grandes defesas das próxima década) também parecem ter por certo a saída para outras Ligas.

No Sporting, este jogo foi-se transformando, ao longo da temporada, num objetivo que fecharia um ciclo para os jogadores que passaram pelo episódio da invasão a Alcochete. Bruno Fernandes nunca escondeu que a Taça de Portugal lhe ficara atravessada e perante a quase inevitabilidade de passar a fronteira com a abertura do mercado, vencer este jogo seria encerrar com chave de ouro o seu regresso a Portugal, de onde saiu menino do Boavista para Itália, onde veio encontrar o terreno fértil para demonstrar todos os seus méritos e qualidades. A história deste clássico na final da Taça de Portugal tem, no entanto, uma peculiaridade. Sempre que FC Porto e Sporting se encontraram na final, nunca noventa minutos foram suficientes para resolver a contenda. Em 1978, 1994 e 2000 só um segundo jogo ditaram vencedor. Em 2008, o prolongamento. Duas Taças para os portistas, duas para os Leões de Lisboa. Nunca nenhum deles a conquistar a Taça sem passar por todas as dificuldades. Como o futebol, e a vida, tendem a ser.

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