As datas só se tornam históricas quando temos um contexto para lhes dar. O momento em que percebi que o futebol feminino português estaria num caminho de afirmação sem volta atrás está claro na minha memória. O dia 11 de julho de 2012. Eu estava na Hungria, na cidade de Miskolc, acabado de chegar para acompanhar um Europeu de Basquetebol de Sub-16 femininos, ao serviço da FIBA Europe. No quarto de hotel, enquanto revia um último texto de antevisão da prova, olhava no televisor a transmissão das meias-finais do Europeu de Futebol de Sub-19 Femininos, entre Portugal e a Espanha.
Portugal perdeu esse jogo. Mas ter atingido as meias-finais de um Europeu era o sinal que faltava para perceber que se começava a chegar a um ponto sem retorno. De alguma maneira, no campo, estavam já alguns dos nomes que definem muito do que aconteceu nesta década. Jéssica Silva, Vanessa Marques, Diana Silva, Fátima Pinto, todas estiveram nessa partida. Na altura, passou-me ao lado que na seleção espanhola aparecia uma jogadora que hoje é incontornável, Alexia Putellas, a melhor jogadora do mundo em 2021. Mas isso também ajudava a definir aquilo que acabou por ser a afirmação espanhola até entrar, amanhã, como uma das potenciais favoritas a vencer o Euro 2022.
Este caminho de não-retorno não está, no entanto, terminado. Bem pelo contrário. A Liga Feminina em Portugal ainda luta para se poder definir como uma competição profissional. Mesmo nas equipas de topo as condições de trabalho estão ainda longe da igualdade, como estão longe das condições oferecidas noutros países europeus. Mesmo no acompanhamento mediático que o futebol feminino merece, não deixa de ser ainda um acontecimento colateral. Enquanto em Inglaterra, Espanha, França, Alemanha, vários meios colocam foco total no Euro que vai acontecer em Inglaterra, em Portugal, a seleção feminina luta para entrar nas televisões, nos jornais, nas rádios, nos sites.
Os jogos de Portugal terão transmissão na RTP1, que já demonstrou, com as transmissões do Europeu de Futsal Feminino, que as audiências se prendem no desporto praticado por mulheres. Para os restantes jogos do Euro 2022, teremos que nos dividir entre as emissões da RTP Play e do Canal 11, que encaixará algumas partidas em direto na sua emissão. Até ao momento, não tem havido grande destaque dado à seleção feminina nos jornais e, no que toca às rádios, cabe à Antena 1 acompanhar de perto esta equipa, quer em todos os jogos de preparação, quer na competição que amanhã começa. O mesmo acontece com o zerozero.pt, provavelmente o meio que mais se tem dedicado a acompanhar a modalidade em Portugal, para além do Mais Futebol, que publicou um interessante guia escrito por uma rede de jornalistas internacional.
Falta encontrar o espaço para afirmação da importância do desporto feminino e do significado que a sua prática pode ter na sociedade. Falta entender que o tratamento dado a estas competições é também uma oportunidade de marcar terreno na busca da igualdade. Falta abrir os olhos para a forma como as principais jogadoras de futebol que estarão nesta prova são também vozes presentes nas discussões sócio-culturais dos nossos tempos. Todo esse caminho deve ser feito com as praticantes, com as treinadoras (que terão que ver o seu número aumentar nos próximos anos), com as famílias, com os amigos e amigas, com um público que possa vivenciar o futebol no feminino e encontrar ali uma forma de compreender o quão mais interessante pode ser o jogo, para lá de tudo aquilo que o jogo nos oferece.
As datas da seleção portuguesa na Antena 1
No episódio de hoje das “Datas do Futebol Feminino em Portugal” percorremos os feitos das nossas seleções nos Europeus sénior, Sub-19 e Sub-17.