Um adeus português

Portugal disse adeus ao WEuro 2022 com uma goleada perante uma Suécia que se demonstrou demasiado eficiente, mas não esquece a capacidade demonstrada para enfrentar mais momentos competitivos desta exigência. O adeus português fica marcado por um ponto de não-retorno que o futebol no feminino em Portugal terá que enfrentar.

Suécia evidencia fragilidade nas bolas paradas

Os primeiros vinte minutos de jogo mostraram uma equipa portuguesa a tentar evitar erros que pudessem apressar a sua eliminação da prova. Tendo-o conseguido, não foi capaz de ultrapassar as fragilidades em esquemas táticos que a equipa mostrou ao longo de toda a prova. Alguns dos golos sofridos nesta partida frente à Suécia são exemplos claros de que o problema nas bolas paradas nada tem que ver com altura. São problemas de posicionamento, tomada de decisão e timing de abordagem que ferem a capacidade portuguesa, mais sublinhada perante uma equipa da Suécia que tem neste momento do jogo um dos seus pontos-fortes.

Há um trabalho a realizar nas equipas portuguesas, algo que o trabalho dos clubes poderá começar a acelerar já ao longo desta época. É fundamental que exista mais formação neste momento do jogo, mais treino e mais pensamento na forma de o enfrentar. O que a seleção portuguesa acabou por demonstrar é que, se retirarmos o efeito das bolas paradas, Portugal poderia aproximar-se ainda mais do nível competitivo de outras equipas neste Europeu. Sete dos dez golos sofridos aconteceram em situações de bolas paradas, seis em esquemas táticos (cantos e livres), um na transformação de um penálti. Um dado que deve pesar na forma como o jogo continua a evoluir no nosso país.

Competição e condições: uma chamada à realidade

A diferença competitiva entre a Liga Portuguesa e outras Ligas ao nível europeu é grande. Algo que também se evidencia no facto de todas as adversárias da seleção portuguesa terem várias jogadoras a atuar em equipas de topo europeu, algo que não acontece com a nossa Seleção. O investimento feito nas equipas do Benfica, Sporting e Braga ajuda a perceber porque é que as nossas melhores jogadoras encontraram conforto no regresso ao país. A melhoria de condições oferecidas para se ser profissional “em casa” é algo de muito apetecível numa modalidade onde ainda subsistem muitos casos de carência, mesmo em países mais avançados. Mas essa melhoria ainda fica muito aquém daquilo que será necessário para enfrentar as melhores equipas da Europa.

Mariana Cabral, treinadora do Sporting que foi convidada da Antena 1 na transmissão do Portugal – Suécia, sublinhou os dados a melhorar. Uma maior profissionalização da Liga, com o aumento da competitividade de todas as equipas que aí participam. Oferta de melhores condições de treino, de assistência médica, de acompanhamento na prevenção e reabilitação das lesões. Cuidado nos terrenos de jogo onde se disputam as provas e nas condições oferecidas nos estádios e campos que recebem as equipas. Tudo situações que podem ser ultrapassadas num futuro próximo, mas que ainda não permitem às jogadoras portuguesas partirem de um ponto de igualdade em relação às suas adversárias nestes WEuro 2022.

O trabalho da Federação Portuguesa de Futebol tem sido instrumental em acelerar a aproximação das competições femininas de um nível mais alto. Se olharmos em volta, para outras modalidades no feminino, mesmo algumas com maior tradição e maior capacidade competitiva a nível internacional, não há par com aquilo que a FPF tem conseguido para a Liga BPI, um trabalho que vai sendo acompanhado por um número importante, mas ainda reduzido, de clubes. Continuar a aposta, afinando os quadros competitivos, inserindo mais oportunidades para as jovens jogadoras em formação, alimentando a chegada de patrocinadores e as situações de promoção da modalidade, é agora uma obrigação que tem que continuar a ser cumprida.

A visibilidade perante um ponto de não-retorno

Se há coisa que este WEuro 2022 já comprovou é estarmos num ponto de não-retorno para o futebol no feminino. A sustentação da aposta realizada em diferentes Ligas nacionais por um conjunto de clubes de nomeada no futebol permite a melhoria das condições e, sobretudo, o aumento da atenção mediática perante as competições. É fundamental que este momento seja também aproveitado por aqueles que estão envolvidos e têm uma história na modalidade. Nem sempre é fácil. Quando se cresce numa lógica de alguma carência, é normal que se adopte um comportamento contra-sistema que vê sempre com mais clareza os males do que os potenciais bens. O não-retorno prende-se a isso mesmo. O futebol no feminino não mais será uma questão de nicho. Com o número de praticantes a aumentar, com o investimento a surgir, com os espaços mediáticos a abrirem-se para a realidade da mulher praticante de desporto de pleno direito, surgem muitas abordagens positivas, mas também algumas negativas, alguns problemas de estrutura no futebol que poderão repetir-se também no seio do futebol feminino.

Saber lidar com essas situações implica a abertura para a discussão, em lugar de um fechamento na recusa da oportunidade de lidar com um público cada vez maior. O que é preciso discutir neste momento de crescimento é a forma como educar os públicos para as especificidades do desporto no feminino, bem como do seu potencial. A médica Beatriz Cardoso-Marinho explicou, num podcast gravado para o Portugal Football Observatory, que ainda existe uma enorme necessidade de estudo sobre o impacto das lesões nas mulheres e, sobretudo, do potencial atlético das mulheres. Encontrar condições para aumentar o conhecimento científico sobre a prática desportiva das mulheres é essencial para conseguir melhorar a prática e o espetáculo por ela proporcionado.

Também é preciso abrir portas para uma discussão cultural que tem encontrado no futebol feminino um espaço de divulgação, no que toca às questões de género e identidade, no reforço do papel da mulher na sociedade e no impacto que a prática desportiva de alto nível poderá permitir enquanto exemplo de representação para muitas jovens raparigas. Passará também por aí a forma como a abordagem ao jogo se fará no espaço mediático, sendo necessário que a conversa sobre o mesmo alargue as suas fronteiras e acondicione um maior conhecimento sobre o potencial da modalidade para todos e todas as envolvidas.

Não ficar por aqui

Portugal sai do WEuro 2022 mas é importante que não se fique por aqui. Aquilo que foi permitido com esta primeira semana de competição deve manter portas e olhares abertos, porque os momentos mais decisivos da prova vão continuar a permitir grandes jogos e imensas oportunidades para falar de atletas que são ímpares na forma como abordam o jogo. O seguimento mediático que esta prova mereceu na Antena 1, na RTP e RTP Play, no Canal 11, no Tribuna Expresso e no zerozero deve ser uma base para o que vai continuar a acontecer, no que resta do mês e, sobretudo, no futuro. Um futuro que está aí já ao virar da porta, com a realização da Supertaça Feminina na primeira quinzena de agosto, bem como a estreia do Benfica na edição 2022/23 da Liga dos Campeões feminina.

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