O resultado e a reflexão sobre o resultado

A forma como se mede o sucesso no futebol é o resultado. Mas aqueles que explicam melhor os seus resultados são aqueles que acabarão por ganhar mais vezes. Uma reflexão sobre a importância de explicar o trabalho, nos exemplos que Rui Faria e Rúben Amorim nos ofereceram esta semana.

Defender o jogador ou defender a equipa

Rúben Amorim é um treinador que defende os seus jogadores. Depois de duas derrotas na Champions League, num quadro de erros individuais que deixaram a sua equipa em desvantagem numérica e incapaz de lidar nesse contexto com a necessidade de competir, Rúben Amorim tem muito mais com o que se preocupar do que com os seus jogadores. Até porque uma coisa é defender os jogadores no seu discurso, outra coisa é defendê-los nas suas opções. E é aí que o treinador do Sporting é mais responsável naquilo que a sua equipa está a viver na presente temporada.

O pior início de época dos últimos 19 anos foi disfarçado com os bons resultados alcançados frente a Eintracht e Tottenham. No entanto, as expulsões frente ao Marseille expuseram a inconstância desta equipa. Se, na última semana, o erro de Adán surgiu de uma opção de jogo da equipa leonina, perfeitamente enquadrada no seu trabalho, o erro de Esgaio acaba por surgir na fragilidade que a estrutura tem apresentado ao longo de meses. Não há como esconder que as referências de experiência da equipa leonina estão a falhar. Adán mais inconstante, Coates demasiado longe do seu nível, Paulinho pelo banco depois de uma lesão que lhe retirou a titularidade. Ricardo Esgaio, quando chegou a Alvalade, chegou para ser um elemento que também traria experiência, dentro das possibilidades financeiras da equipa, mas não houve momento neste regresso ao Sporting em que o tenha comprovado.

Percebe-se o posicionamento do Sporting na procura de dar oportunidades a jovens. É a sua forma de sobreviver, continuando a demonstrar incapacidade financeira para competir com os adversários diretos. Mas é fundamental para esse plano que a equipa técnica faça a reflexão sobre a evolução do seu processo. Aquilo que levou Rúben Amorim a surpreender e a vencer é hoje uma estrutura demasiado reconhecível por qualquer dos seus rivais. E com piores jogadores. Ora, Amorim defende os jogadores porque tem sido no talento e capacidade destes que tem baseado as respostas às fragilidades da equipa. Mas a equipa precisa de mais. Precisa de um treinador que entenda a maneira como a sua exposição ao erro leva a erros cada vez maiores. E não é dessa forma que se defendem jogadores. Nem é olhando ao sucesso do passado que se garantirá o sucesso do presente.

O elevador que sobe é o mesmo que desce

O futebol imita a vida, é certo. Mas fá-lo de forma muito mais dramática e, ao mesmo tempo, mais leve. As finais que se sucedem numa temporada, ora com deslumbrantes vitórias ou com pesadas derrotas, criam a ideia de vivermos num mundo de tudo ou nada. No entanto, termina a época, refazem-se as equipas, e tudo começa de novo. Não há problema que dure para sempre, nem doença que se instale, que uma nova época não consiga acabar por curar. O futebol é um terreno de impiedosa meritocracia, o território onde se percebe que todos podemos ser heróis e insignificantes, conforme a nossa atuação no presente.

Sendo eu um apaixonado pela história do jogo, não me esqueço nunca que o futebol se joga no presente. Entram vinte e dois atletas em campo, com estratégias pensadas e trabalhadas pelas suas equipas técnicas, e seguem-se noventa minutos de um combate onde o estatuto se desvanece, os símbolos se demonstram incapazes de resistir, os jovens ocupam os lugares de anciãos. Quem quer viver neste ambiente de guerra constante, tem que saber exatamente quais são as suas regras. Bater no peito em sinal de orgulho no passado é uma coisa boa para quem já abandonou a competição. Quem quer competir, tem que estar preparado para perder.

A única ferramenta que serve para se poder enquadrar esta luta implacável na sua realidade de constante exigência de resultados é a reflexão. Quem melhor reflete sobre as suas forças e as suas fraquezas, melhor se apresentará ao desafio seguinte. A estratégia que funcionou a época passada são notícias antigas. O planeamento de treino que revolucionou o jogo há uma década já foi mastigado e transformado por todos aqueles que se sentiram desafiados por ele. Lembro-me de Pimenta Machado, antigo presidente do Vitória SC, ter dito que “no futebol, aquilo que é verdade hoje, é mentira amanhã”. Mas não é bem assim. A realidade é que, no futebol, a verdade de hoje é desafiada amanhã. Não deixando de ser aquilo que é, uma verdade, o contexto muda demasiado rapidamente para se ficar agarrado a certezas passadas.

Rui Faria e o orgulho nas vitórias passadas

Numa longa conversa no podcast Training Guru Ground, Rui Faria teve a oportunidade de rever toda a sua carreira de treinador, revelando interessantes pormenores dos seus tempos de estudante, da sua relação com os ensinamentos de Vítor Frade, com a forma como conheceu José Mourinho, depois de se ter encantado com uma entrevista deste quando ainda era adjunto no Barcelona, na forma como começaram a trabalhar e nas histórias que fizeram esse percurso desde Leiria até ao Manchester United, com momentos especialmente ganhadores com as cores do FC Porto, do Chelsea, do Inter de Milão e do Real Madrid. Percebe-se como, enquanto dupla, Mourinho e Faria foram essenciais um para o outro. O jovem Rui Faria precisava de colocar à prova o seu esforço teórico de dar uma base científica para a periodização tática. O jovem José Mourinho precisava de um criativo que lhe fornecesse sustentação na maneira como desenhava as suas estratégias vencedoras.

Os anos de Leiria, Porto e Chelsea deveriam merecer mais conversas e mais desenvolvimento sobre aquilo que foi realizado por esta equipa técnica. A maneira como a sua forma de encarar o treino foi conquistando os jogadores por onde passava, em contextos cada vez mais competitivos, poderiam ajudar-nos a compreender a história da transformação dessas mesmas equipas. Ao mesmo tempo, a forma como esta equipa técnica foi desafiada, quer em campo, quer na teoria do seu trabalho, nos contextos de Milão e Madrid, levaram a uma transformação de discurso que cristalizou a possibilidade inicial. Percebendo-se que uma equipa técnica que continua a ganhar corra o risco de pensar que o centro do seu trabalho está na vitória, é fundamental que a equipa técnica consiga explicar como está a chegar a essas vitórias. É aqui que a conversa de Rui Faria apresenta a lacuna que virá a ser a eventual explicação do Mourinho que se seguiu a Madrid.

O processo de trabalho no Manchester United é alvo de um período especial nesta conversa. Foi em Manchester que se agravaram as dificuldades da equipa técnica Mourinho/Faria para demonstrar o mesmo tipo de capacidade para apresentar soluções de jogo. A forma como Rui Faria separa a Ciência do Desporto da Ciência do Futebol, a maneira como lê o enquadramento inicial da teoria da Periodização Tática, a forma como se agarra às vitórias conquistadas são uma explicação de parte dessas dificuldades. O pragmático não vence mais vezes do que o pensador. É essa a ilusão que muitas vezes nos é vendida. O pragmático utiliza as ferramentas imediatas para alcançar o sucesso. Mas o pensador explica muito melhor os caminhos que ligam a ideia ao treino, o treino ao jogo e o jogo à vitória, por utilizar ferramentas que se apresentam melhores e mais regulares ao longo do tempo. Daí que o pensador se posicione sempre melhor do que o pragmático, no passar dos anos. Mesmo no futebol, tão dramático e tão intenso na maneira de decidir vencedores e derrotados. A incapacidade para explicar as vitórias é a forma mais brutal de entender as derrotas presentes.

Grandes jogos para o fim-de-semana

No futebol nacional, em fim-de-semana de Taça de Portugal, estarei na Antena 1 para acompanhar o jogo entre o Caldas e o Benfica. No futebol internacional, estarei na Eleven Sports para comentar os jogos entre Wolverhampton e Nottingham Forest, para além do grande Real Madrid – Barcelona, jogo grande de LaLiga.

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