Originalmente publicado na revista L’UltimoUomo, “A era do jogo posicional está a acabar?” é uma reflexão sobre o futebol atual, na forma como a fluídez do jogo coloca em causa princípios que se mostravam hegemónicos nos últimos anos. Do jogo posicional a um jogo aposicional, o texto conta ainda com contributos de Fernando Diniz, Francesco Farioli e Davide Ancelotti.
O seu autor é Antonio Gagliardi, treinador de futebol. Foi analista da Federação Italiana de Futebol, trabalhando na seleção nacional com Cesare Prandelli, Roberto Mancini, Antonio Conte e Gian Piero Ventura. Foi Campeão Europeu de Futebol em 2020. Foi treinador-adjunto da Juventus e do Karagumruk com Andrea Pirlo.
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A tradução do texto é de Luís Cristóvão, devidamente autorizada pelo autor e pela revista L’UltimoUomo.
Durante anos representou o cânone tático, mas hoje algo parece estar a mudar.
A revolução do “jogo posicional” atingiu o seu auge nos últimos anos e, como sempre na história (do futebol, mas não só), iniciou-se uma contra-revolução que inevitavelmente conduzirá a uma evolução.
O jogo posicional é uma revolução que começou há 50 anos, em Amsterdão, com Rinus Michels, treinador, e Johan Cruyff, jogador, depois continuou entre Milão e Barcelona com Arrigo Sacchi, Louis van Gaal e novamente Cruyff, desta vez treinador. Finalmente concluído por Pep Guardiola há 15 anos, também em Barcelona. O jogo posicional do técnico catalão, capaz de vencer tudo com Messi, Iniesta e Xavi, mudou o futebol para sempre: a busca pela superioridade posicional partindo de trás, com pelo menos um homem livre atrás de cada linha de pressão, a busca pelo terceiro homem, a ocupação racional e científica dos espaços com os cinco corredores, daí o aproveitamento dos corredores centrais* e a utilização de módulos como o 3-2-5 ou 2-3-5 na fase ofensiva.
São princípios e códigos que passamos a conhecer, apreciar e admirar e que, nos últimos anos, muitas equipas do mundo (não só as grandes) adotaram. Observando o recente Mundial podemos dar os exemplos de Espanha, Alemanha, mas também do Brasil de Tite – e por falar em seleções não podemos deixar de referir a selecção de Mancini, vencedora dos últimos campeonatos europeus. A revolução posicional do jogo foi tão grande que chegou a mudar as regras, com a introdução da possibilidade de ter um ou mais jogadores dentro da própria grande área na hora de marcar o pontapé de baliza (regra introduzida em 2019 e que garante à equipa que quer estabelecer uma vantagem geométrica sobre os atacantes em zona recuada) e tem vindo a contaminar até grandes treinadores com ideias de jogo diferentes, como Jurgen Klopp e Antonio Conte , que ao longo dos anos agregaram ao seu modelo de jogo pessoal e diferente justamente aqueles princípios e soluções típicos do jogo posicional.
Há algumas temporadas, as defesas começaram a contra-atacar o jogo posicional e iniciou-se uma contra-revolução, naquela contínua e eterna tensão entre soluções ofensivas e ajustes defensivos que a história de todos os desportos conhece. O aumento da pressão alta, agressiva e muitas vezes homem a homem, por exemplo, é um dos principais obstáculos ao jogo posicional. Tentar limitar a construção a partir de trás do adversário e, consequentemente, o domínio territorial necessário para encontrar o homem livre e depois ocupar o meio-campo ofensivo para continuar a acumular vantagens explorando sobretudo as superioridades posicionais.
A tendência de marcar o homem e não o espaço é cada vez mais comum não só entre as equipas que adotam uma pressão alta, mas também entre aquelas que ficam mais recuadas, na expetativa, e que no seu meio-campo buscam as referências adversárias para criar um 3v3 (no caso de um meio-campo de três homens, é claro) com muitos duelos individuais. Há algumas semanas, Spalletti declarou: «Não há mais esquemas no futebol. Os espaços já não estão nas entrelinhas, mas entre os homens, a habilidade está em encontrar esses espaços» . Cada vez há menos defesas (linhas) para atacar, mas se houver menos espaços entre as linhas, perde-se um dos princípios cardeais do jogo posicional (precisamente o de explorar os espaços dentro e entre as linhas).
Há anos que no jogo posicional pedimos aos nossos médios-ofensivos que ocupem um determinado espaço e flutuem nessa zona, à espera da bola: «É a bola que chega até ti e não o contrário. Fique parado!” As vantagens que se podiam obter ao “colocar” os jogadores nos corredores centrais* eram fundamentais e quase científicas contra certas defesas, principalmente perante a forma como funcionavam as linhas defensivas de quatro homens. Mas essas situações vantajosas estão a diminuir cada vez mais.
“O papel: do cargo à função, da função ao relacionamento”
Esses contra-movimentos inevitáveis das defesas levam a uma maior evolução do jogo. Estamos a chegar (a regressar?) a um jogo mais baseado na mobilidade contínua em torno do portador da bola, um jogo mais orientado para a exploração das características dos jogadores.
Nos últimos anos temos dito que “o papel já não é um cargo, mas uma função, uma tarefa”: construtor ou invasor; um jogador que dá amplitude, aquele que tem de terminar o jogo no último terço. Mas agora as funções evoluíram ainda mais e o “papel” passou de uma função (mais ou menos específica) para a interpretação de um indivíduo dentro de uma “relação”: é o movimento contínuo e constante da bola, companheiros e adversários para determinar as distâncias em torno do jogador com a posse de bola.
De tempos a tempos, os vários jogadores na área da bola tornam-se “vértice”, “apoio lateral” ou “sobrecarga”, independentemente de sua posição ou função inicial inicial. Assim é a “relação” com a bola, com os companheiros, com os adversários – é a relação com o contexto – que determina e influencia os movimentos, as escolhas, o jogo dos indivíduos.
Este é mais um passo na evolução natural dos papéis, com os jogadores voltando a estar no centro de tudo e não mais enjaulados numa posição específica, nem mesmo limitados por uma ou mais funções. Em outras palavras, os jogadores terão total liberdade para se expressar dentro dos princípios comuns do jogo. Haverá menos treinadores principais, mas mais jogadores principais. Ou talvez, melhor, os treinadores serão protagonistas de uma forma diferente.
Esse estilo de jogo tem raízes antigas, principalmente na América do Sul. A campeã mundial Argentina venceu em total oposição ao Brasil de Tite: a equipa verde-amarela, segundo os puristas sul-americanos, deixou-se inspirar demais pela “posição” europeia ao forçar seus próprios talentos dentro da estrutura do 3-2-5, limitando excessivamente campeões como Neymar ou Vinicius. A seleção de Scaloni, por outro lado, voltou ao “Nuestra”: o modelo de jogo argentino muito pessoal idealizado por Menotti nos anos 70. “O centro é a bola. Movem-se de acordo com a bola”, declarou o treinador campeão do mundo, recentemente em Coverciano por ocasião da entrega do prémio Ballon d’Or.
Uma seleção, a Argentina, capaz de vencer mudando entre sete estruturas diferentes (ou módulos, se preferir) nas sete partidas do Mundial, tentando adaptar-se aos adversários e a Messi, tentando e conseguindo potencializar o talento argentino apoiando os seus movimentos e criando um “elenco de apoio” de jogadores técnicos e ofensivos como Di Maria, De Paul, McAllister, mas também Alvarez, Paredes, Lautaro ou “Papu” Gomez.
Um futebol capaz de potenciar as qualidades, características e momentos emocionais dos jogadores, sobretudo dos mais técnicos. Também porque conectar os jogadores uns aos outros deixa todos um pouco mais felizes. Um futebol que não tem medo de assumir formas assimétricas, que quer dominar a posse de bola, não pela tática e espaços pré-definidos, mas pela técnica e espaços dinâmicos. O foco vai do espaço para a bola (e para os jogadores). No futebol posicional, o espaço ocupado é fundamental para poder ter um melhor desempenho; no futebol relacional é o desempenho individual que determina os espaços.
Fala-se muito na América do Sul, neste momento, sobre o Fluminense de Diniz. Densidade na área da bola, assimetria e ritmos adequados aos seus melhores jogadores, entre eles Ganso. A assimetria é um conceito importante porque dar liberdade aos indivíduos pressupõe que, ao movimentar-se, a equipa possa ter superioridade numérica em determinadas áreas, deixando outras menos cobertas. Este e outros aspectos não são fáceis de aceitar para treinadores acostumados ao controlo total, ou quase total, de sua equipa.
As palavras de Diniz são úteis :
“A minha equipa joga um futebol aberto, o que sugere deixar espaço para o jogador criar coisas, evoluir. Então, com o tempo, se você fizer as coisas direito, você começa a reconhecer que tipo de jogadores que você tem e como você pode basear o jogo para ter vantagem sobre o adversário, como atacar muito e não ficar vulnerável. Isso é algo que eu tenho tentado melhorar com o passar do tempo.
Mas é um universo infinito: no futebol todos temos que nos esforçar muito para, no final, saber muito pouco. Porque o futebol é muito rico, o campo é muito grande, são onze jogadores que podem criar muitas interações contra onze jogadores que criam muitas outras interações; então, no futebol, a gente tem que ter coragem e se dar um pouco de liberdade para poder criar as coisas, porque ninguém entende tanto de futebol, acho que a gente está sempre aprendendo, e conforme vou melhorando, vejo um universo ainda maior onde posso evoluir ainda mais».
O auge da América do Sul foi alcançado com o Brasil de 1982, talvez a equipa mais forte de todos os tempos a nunca conquistar um título. Uma seleção com um quarteto de médios como Falcão, Sócrates, Cerezo e Zico livres para encontrar posições em campo, associar-se espontaneamente, criar estruturas fluidas e sempre diferentes umas das outras e manipular tempos e espaços à vontade.
Até porque não podemos falar de tempo e espaço senão em relação a alguma coisa, neste caso, os jogadores. Voltemos ao espaço entre as linhas, esse mesmo espaço não é o mesmo se o jogador entre as linhas é Messi ou outro. Com Messi, até o menor espaço se torna letal, ao contrário dos jogadores normais. O que significa que o espaço e o tempo também devem estar relacionados aos jogadores, seus movimentos e suas interações.
Um futebol portanto de grande mobilidade, intercâmbio de jogadores. De ligações espontâneas que, no entanto, devem incluir também ataques contínuos à linha (incluindo os fora de tempo) e, em alguns casos, até uma referência em largura, do lado oposto da bola (este, um legado do jogo posicional). Um futebol onde a superioridade deixará de ser apenas posicional, mas também numérica, qualitativa e sobretudo emocional.
Um futebol “aposicional”, “funcional” e “relacional”
Conforme mencionado, as “novas” funções (total ou quase desconectadas da função inicial) tornam-se, portanto, as de “apoio”, “sobrecarga” e “vértice” em torno do portador da bola. Conseguir que os jogadores interiorizem tudo isso não será fácil, transformando-se no novo desafio metodológico da próxima década; talvez dos “rondos” voltemos a posses mais livres nas quais devemos recriar continuamente o estrondo do drible. Com certeza a releitura será ainda mais importante e as coberturas preventivas também: esse aspecto já é um dos problemas do futebol posicional com tantos invasores acima da linha da bola, mas será ainda mais difícil organizar com uma construção e uma fluidez em posse em que os jogadores alternam o tempo todo.
No futebol posicional, simplesmente, posições e espaços são o elemento mais importante; tão importante que muitos chamam de “posicionismo” um processo futebolístico que Sacchi levou à exasperação. As suas equipas moviam-se em uníssono, conectadas por uma corda invisível, principalmente na fase sem bola. Sacchi era o (fantástico) maestro da equipa. Agora é a hora das “jam sessions” em que grandes intérpretes podem improvisar, especialmente se conectados entre si do ponto de vista emocional . Pensemos na ligação Messi / Dani Alves no Barça ou na troca Totti / Cassano na Roma. Empatia de alma que vira arte.
Talvez pensando nos fracassos de Riquelme no Barcelona (sob gestão de Van Gaal) ou mesmo do já citado Ganso na Europa (Sevilla e Amiens) não podemos deixar de considerar o excesso de “posicionismo” que havia na gestão desses e de outros talentos sul-americanos. Riquelme é provavelmente um dos jogadores-símbolo do futebol posicional, funcional e relacional com seu ritmo lento, sua necessidade de ir em direção à bola, seus muitos toques para controlá-la, as “pausas” antes das invenções, o seu um-dois.
Falei sobre o assunto com Francesco Farioli, um dos jovens treinadores emergentes mais próximos do jogo posicional, vindo de experiências como treinador principal na Turquia, a última das quais, no banco do Alanyaspor, que terminou em fevereiro passado.
«O conceito-chave para mim é o de um equilíbrio dinâmico, como quando se anda de bicicleta. Encontrar o equilíbrio através do movimento mais ou menos harmonioso do que é representado em campo. Como bem apontas, o grande desafio não estará mais na análise, mas no campo metodológico, com jogadores cada vez menos presos à tarefa/papel e cada vez mais acostumados a explorar diferentes áreas do campo e com habilidades. Nos últimos anos, ouvimos muitas reclamações sobre “jogar fora de posição” ou “em áreas desconhecidas do campo”. Hoje cada vez mais a dinâmica do jogo, os contrastes, as contínuas mudanças de forma e o próprio treino vão orientando/aproximando os jogadores para um conhecimento cada vez menos específico, mas decididamente mais amplo».
Farioli continua sua reflexão:
«Aqui não podemos deixar de nos referir a Darwin e às suas teorias sobre a evolução das espécies. Como nos lembra o grande cientista-filósofo, a evolução das espécies ocorre por acaso e necessidade (assim como no futebol). Na luta pela vida, salvam-se as espécies que mais se adaptam às circunstâncias e necessidades que vão surgindo.
Trazendo o assunto de volta ao futebol, pense na evolução da exigência e desempenho físico dos jogadores de futebol. Em algum momento não haverá mais espaço para jogadores que não sejam rápidos ou que não sejam robustos. E é precisamente neste fluxo contínuo e incessante, entre a investigação científica e o scouting, entre a metodologia de treino e a análise táctica, entre as competências de gestão e os desafios culturais, que se desenrolará o próximo grande capítulo da evolução do futebol».
Já vimos vários exemplos noutros continentes antes, mas houve e há excelentes exemplos também na Europa. Em primeiro lugar, vem à mente o esplêndido Ajax de Ten Haag, que chegou às meias-finais da Liga dos Campeões em 2019, depois de eliminar Real Madrid e Juventus. Uma equipa comandada pelos jovens De Jong e De Ligt e com um ataque de densidade formado pelos três atacantes muito próximos, Neres, Tadic e Ziyech.
Ou, ainda, o Napoli deste ano, com Spalletti, uma equipa com pouco posicionamento e muito fluída, que consegue tirar o máximo partido das características dos seus jogadores, sobretudo Lobotka, Kvaratskhelia e Osimhen. Mas talvez o melhor e mais bem sucedido exemplo europeu seja o do Real Madrid comandado por Carlo Ancelotti. O treinador italiano construiu várias equipas moldando-as nas qualidades dos jogadores disponíveis. O Milan de Pirlo, Seedorf e Rui Costa foi um maravilhoso ancestral do futebol funcional e relacional. Um dos primeiros conjuntos do futebol moderno a contar com o controlo de bola e um verdadeiro precursor do Barcelona de Xavi e Iniesta pela capacidade de oferecer tantos médios técnicos e qualitativos. Mas também o último Real Madrid com Kroos e Modric no meio-campo, Valverde como atacante ou ponta falsa (às vezes, porém,
Estamos habituados a avaliar a competência do treinador com base na identidade que consegue dar às suas equipas, na criação do modelo de jogo do treinador quase independentemente dos jogadores que as compõem. É por isso que alguns dos melhores treinadores dos últimos 10-15 anos são mais reconhecidos, mesmo nas diferentes experiências que tiveram, mesmo com poucos jogos disponíveis. O modelo de jogo alternativo de que falamos muda sempre e, portanto, será difícil de replicar de equipa para equipa, porque é projetado com base nas características dos jogadores.
Obviamente, como em todos os aspectos do futebol, o contexto (a Liga, os adversários) e o nível dos jogadores disponíveis serão importantes. Com jogadores menos habilidosos, o trabalho do treinador com a codificação de movimentos e/ou espaços pode colmatar diferenças técnicas importantes, mas também a valorização da individualidade e a possibilidade de deixar a interpretação livre tem os seus pontos a favor.
Falei sobre isso com Davide Ancelotti, filho de Carlo e assistente técnico do Real Madrid:
«Observo os meus dois filhos que, aos 4 anos, começam a ter paixão pelo jogo de futebol. Vejo-os, como qualquer outra criança, a fazer isso tentando imitar as ações de seus jogadores de futebol favoritos, chamando o nome deles em voz alta quando chutam a bola ou fazem uma defesa. Nós apaixonamo-nos por este jogo graças aos jogadores de futebol. Partindo desse pressuposto, o verdadeiro desafio está em saber reconhecer, entre as infinitas conexões que se criam entre eles, aquelas que devem ser exaltadas (como a de Messi e Dani Alves, ou a famosa entre Insigne e Callejón).
Garantir que através de uma organização de equipa se repita uma situação em que uma determinada conexão possa beneficiar o coletivo, encontrar exercícios que desenvolvam essas conexões e melhorá-las no treino. O jogo posicional, nas suas melhores versões, tem sido um meio de poder exaltar os seus intérpretes. Assim como para Mourinho em 2010, o bloco baixo e o contra-ataque foram os meios para que Sneijder lançasse Pandev, Eto’o e Milito em campo aberto. A minha opinião sobre o assunto é que o futebol sempre foi sobre jogadores de futebol, desde o início. Não acho que o jogo posicional esteja a chegar ao fim. Talvez em alguns casos, mais do que em outras formas de jogar, por questões mediáticas, se tenha tornado uma filosofia, uma identidade necessária para vencer. Mas acho que não. O jogo posicional faz parte dessa bagagem cultural à qual um treinador pode recorrer para escolher a roupa que vai costurar para o conjunto. Deve, portanto, ser conhecido e estudado. Ao representar a figura do treinador, gosto de usar o exemplo do camaleão, um animal capaz de mudar constantemente de cor para fugir dos perigos que o cercam, para se adaptar à realidade que o cerca. Não vinculado a uma identidade. Hoje, entre o primeiro e o segundo tempo, podes jogar duas partidas completamente diferentes. Assim como pode haver desempenhos totalmente diferentes de uma mesma equipa dependendo do adversário que enfrentam».
Não se pode ter a presunção de entender todas as variáveis e ser capaz de as prever. No entanto, esta mudança contínua exige grande preparação e estudo por parte da equipa técnica, que deve ser capaz de resumir o seu trabalho em informações claras e curtas, para a serem transmitidas aos jogadores. Ele deve propor treinos tão complexos quanto o jogo, mas que tenham uma ótima organização na base. Esses desafios provavelmente nunca serão vencidos, mas são eles que nos estimulam e alimentam nossa paixão.
Por esses motivos, o trabalho de análise da equipa técnica também está a mudar. Preparar jogos contra equipas cada vez mais fluídas e menos ancoradas em estruturas é cada vez mais difícil e complicado. A vontade de codificar situações difíceis de codificar corre o risco de nos deixar despreparados para a competição. Parece um paradoxo, mas não é. Quanto mais me preparo, menos preparado estou.
O fator emocional neste caso é essencial. Para os jogadores, chegar ao jogo com muita informação (principalmente dos adversários defensivos) e perceber dentro de campo que estão num contexto diferente daquele que está a ser estudado pode causar um déficit emocional: “E agora? O que fazemos?” Um futebol feito de assimetrias, não de estruturas, e maiores trocas de posição provavelmente responde melhor às necessidades do futebol moderno e às jogadas da contra-revolução que mencionamos acima. Como o dizer? Se quiseres controlar-me, eu levo-te pelo campo e liberto espaços para outros jogadores ocuparem. O jogo posicional foi uma grande evolução do jogo, mas paradoxalmente seu grande sucesso representa a sua própria limitação: quanto mais equipas o usam, mais os adversários aprendem a defender-se contra esses princípios, contra essas colocações e esse uso de espaços. O jogo aposicional, funcional e relacional poderá ser a sua evolução natural mantendo muitos desses princípios mas devolvendo maior liberdade aos jogadores, ajudando a conseguir uma empatia na equipa que faz com que qualquer rotação ou mudança de posição pareça natural.
Em conclusão, faz-me sorrir pensar que o próprio pai do jogo posicional, os Países Baixos de 1974, foi provavelmente o maior exemplo de fluidez e trocas posicionais jamais visto em alto nível, com uma afinidade sócio-relacional que transformava tudo em poesia.
* No texto original, Antonio Gagliardi utiliza o termo halfspaces. Tive alguma discussão com o Tiago Estêvão e o Ricardo Ferreira sobre a melhor forma de o traduzir, tendo ainda procurado a opinião do “Jozsef Bozsik”. Dos primeiros, retirei alguns dados que têm levado ao que pode ser considerado uma confusão com o termo. O Antonio Gagliardi resolveu-o da seguinte forma: “Halfspaces era algo determinado apenas ao terreno de jogo, mas agora passou a ser utilizado em relação ao espaço entre os jogadores”. Para esta ideia, o conceito de intralinha pode começar a ganhar caminho (Obrigado, Ricardo!). Mas o “Jozsef” lembrou-me que o melhor caminho nem sempre é a exatidão, mas a compreensão. Nesse sentido, mantenho no texto a tradução “corredores centrais”, deixando para mais tarde a evolução da diferente entre o que é “entrelinhas” e o que é “intralinhas”.